A luz tocava-lhe no rosto, os olhos brilhantes, um ano, um ano, repetia essa expressão vezes e vezes sem conta num silêncio que era de dor, uma dor cravada no peito que não ia sair, uma dor que ela não abandonava. Tinha sido há um ano que a dor descobrira uma casa de alicerces fortes no coração daquela quase mulher, a dor torna-nos assim em quase mulheres, em quase homens, em quase nada, reduz-nos. Todos diziam um dia vai passar, um dia não te vais lembrar, um dia vai custar menos, mas a mulher não ouvia, queria sofrer aquela dor que era sua
a minha dor
a minha dor é minha
a minha dor és tu
Foi num dia cinzento que tudo começou, primeiro o sangue, depois a seringa com o sangue e depois o sangue feito papel nas mãos do médico, depois da médica, depois do médico e depois o mal nas palavras de todos.
a tua dor foi o mal
a minha dor é minha
a minha dor és tu
O mal começou o trabalho no silêncio dos dias, primeiro começou a comer-lhe o pâncreas, tornou-se numa força que crescia a cada segundo, comeu-lhe o sorriso, comeu-lhe o coração, matou-a.
a tua dor foi o teu fim.
E depois a agora quase mulher chorou, chorou com a sensação que os olhos iam saltar, gritou, sentiu o coração a diminuir de tamanho como se o mal da mãe lhe tivesse também comido o coração. Soube, sabe, que fez tudo, o mal foi mais forte, o mal tirou-lhe parte da vida, deixou-a quase mulher com uma dor que sente não ser capaz de suportar, uma dor que não quer esquecer, uma dor que lhe levou a vida. O mal é o mal, e isso assusta.
a minha dor vai ser o fim.
2 Comentários:
..."Quero poder imaginar a vida
Como ela nunca foi
E assim vivê-la, vivida e perdida,
Num sonho que nem dói"...
(fernando pessoa)
Deixo aqui o meu kandando!
Este blgue vai direitinho para mim. Este texto está fenomenal.
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