O Tolo

A mãe passeava sempre o tolo pela mão. Eram habituais as tardes à beira mar, o arrepio na cara dele quando os pés despidos tocavam a aridez da água gelada,

está frio mãe.

Toda a vila o conhecia, conheciam-no pela mão da mãe, com a mão na mão, tal como siameses, como se sempre existissem os dois para os dois, como se nunca se separassem um do outro sendo seres isolados, nunca foram ou a mãe ou o louco, sempre foram a mãe e o louco. A mãe falava-lhe sempre com voz de adormecer, e mesmo se lhe ralhava a voz tinha timbre de afasta pesadelos, ele raramente falava, sorria de forma estranha a maior parte do dia, à excepção de

está frio mãe.

Não se conheciam maridos à mãe, não se conheciam pais para o tolo. Era como se o mundo os tivesse colocado um para o outro, e o outro para o um. Ao entardecer, depois de

está frio mãe,

ele adormecia ao tacto dos embalos da voz da mãe. Nesse instante, ela afagava-lhe a cara, rezava pelo filho, por ela, pela mão do filho na mão dela, pedia perdão para as palavras de tolo, parvo, nas bocas dos outros,

perdoa-lhes Deus, protege-nos, protege-me, protege-o.

Depois, era a hora dos cheiros fortes da cozinha, a sopa, o segundo, o bolo com pouco açúcar, o chá de cascas de limão adocicado com mel, o cheiro da canela das duas maçãs assadas ou cozidas, para ele era indiferente deliciava-se com as duas. Horas após, ela sentava-se perto dele a guardar-lhe o sono, depois ele acordava, ria-se e dizia

está frio, mãe.

E depois jantavam, ela contava-lhe histórias, ele ria-se, brincava, pulava, passeavam de mão dada pelo granito das ruas, a ouvirem ela e o tolo, o tolo e ela, os dois.

Todos os dias, todas a horas, todas as horas de todos os dias foi sempre assim, ela e o tolo, os olhares dos outros sobre o tolo, sobre a mãe e o tolo, sobre a mão do tolo sobre a mão da mãe. Trinta e cinco anos.

está frio, mãe.

estás fria, mãe.

Que será do tolo, ouvia-se ao longe.

Fotografia - Beto Shimoda2