5/26/2010

Prólogo - A insónia.



Era inverno, um inverno chuvoso que ia dando à noite na rua contornos de brilhos, as pedras da calçada ganharam tons de safiras e esmeraldas, diamantes quando a noite ia cedendo a vez ao dia. Pedro tinha dificuldades em dormir, ficava horas à janela a apreciar a humidade do ar que a noite lhe ia oferecendo, olhava a lua alta e de dia para dia ia observando o quanto mudava, o quanto crescia e decrescia, observava-a cheia e depois nova, sempre nova, num ciclo irrepreensível e imutável, acontecesse o que acontecesse. Precisava da certeza da lua, da certeza da sua rotação e do seu ciclo interminável, a sua vida, bem distante da lua e do sol, não era imutável, bem pelo contrário como costumava dizer, tudo surgia a velocidades imprevisíveis e se em instantes tudo acontecia demasiado devagar, outros havia em que tudo rodopiava a velocidades mil. Era gestor de recursos humanos, nome bonito para aquele que contrata a olhar a quem e descontrata sem olhar a quem, sob a voz de comando de quem mandava. A profissão tornou-o insensível. Deixou de ter pena das famílias sem nada para comer, dos homens a quem o trabalho é tudo o que têm a fazer, pensava nas pessoas como força bruta, a força que precisava para que a empresa começasse a lucrar, ainda mais. Depois, gostava também de ouvir o director

excelente trabalho Pedro.

e ele a pensar, não fiz nada cabrão, contratei para que fizessem, ou ainda não sabes que é esse o meu trabalho.

Descobriu tarde que essa sua imunidade à humanidade não lhe traria felicidade. Ainda que olhasse a rua húmida, cheia de reflexos a fazer lembrar o coração, não se iria apaixonar, amar, sentir dores de estômago por ouvir o nome de alguém. E por mais romântica que fosse a rua ou fresco o ar, nunca iria encontrar a humidade de um coração que desejasse adormecer a seu lado depois de dizer num sussurro a lembrar uma brisa leve

amo-te Pedro, tanto como amas a lua e as cores dessa rua que é nossa

e ele a responder

tu és a minha rua e a minha lua.




Fotografia - Autor desconhecido.

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