Quando anoitecia no céu o escuro tomava conta da casa. A casa tinha a forma exacta de um coração, as suas paredes eram curvas e dentro da casa apenas quatro divisões, entre elas duas portas e depois duas portas em cada extremo, uma para entrar e outra para sair, exactamente nesta ordem. Quem entrasse na casa teria que fazer esse percurso, existiam espaços de entrada e espaços de saída. À saída cedros e acácias a fazerem a moldura da porta, como se a casa fosse um gigante quadro e existisse apenas para ser observada. Ao redor da casa cheirava a canela e a açúcar derretido e o céu ao final da tarde tinha cor de amoras silvestres. Quando anoitecia no céu o escuro tomava conta da casa, mas não anoitecia sempre. Não existia qualquer tipo de lógica para a noite abraçar a casa em forma de coração, existiram anos em que os dias tinham a duração de largas décadas quentes, secando as acácias e o cedro, noutros tempos o escuro ficava tanto tempo que todos duvidavam se algum dia teriam visto a luz do sol. Quando era noite as pessoas juntavam-se dentro da casa para chorar, falavam que o mar sabia a lágrimas e que quem desaparecia no mar era porque morria de amor ou desgosto. As pessoas falavam do coração, das coisas da vida que estão dentro das coisas do coração, as pessoas nunca falavam umas com as outras, falavam com a casa mas a casa não lhes respondia apesar de todos eles encontrarem as respostas a todas as suas perguntas. Quando saíam e era dia sentiam-se livres, pintavam as paredes de fora da casa. A casa estava sempre bonita por fora e na parte de dentro da casa conseguiam-se contar milhares de brilhantes em forma de lágrima a fazerem de chão. Ao redor da casa cheirava a canela e a açúcar derretido e o céu ao final da tarde tinha cor de amoras silvestres. Dentro da casa cheirava a mar e em todas as divisões a luz dos candeeiros tinha a cor das asas das fadas. O amor existia ali, mais dentro que fora das paredes.
6/08/2010
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3 Comentários:
Por lapso não indiquei que a belíssima ilustração é da autoria de Hélia Aluai.
Fica aqui o registo e o link do blogue da autora para possível consulta
http://helialuai.blogspot.com/
E.
Adoro o cheiro a mar, de canela e de açúcar queimado.
Confesso que na altura das amoras não resisto e, quase todos os anos vou apanhar umas tantas, chego a fazer doce de amoras, claro que estou a falar daquelas das silvas e acabo sempre por ficar com umas arranhadelas, mas vale a pena :)))
Olá Isa,
parece então que esta casa também é a tua casa, portanto agradeço a visita ou estada sempre.
Boa semana,
E.
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