A mulher que tem um buraco no peito

Há uma mulher com um buraco no peito, uma mulher sem coração, um buraco no lugar do coração onde estão as veias e capilares enrolados como novelos de algodão cor de sangue, que me conta uma história. Do alto do muro onde se encontra sentada consegue tocar as estrelas e através do buraco no seu peito consigo avistar ao longe cumes de serras altas, verdes da erva e castanhos dos troncos das árvores. Os olhos da mulher são de um castanho brilhante, brilho que põe nas palavras enquanto me conta que deu o coração a um outro homem sem coração que lhe prometeu oferecer a lua para a por no seu peito, para a partir desse dia a mulher ter apenas sonhos cor de prata. O homem fugiu-lhe com o coração e para não se sentir sozinho levou a lua também, não roubou as estrelas ao céu porque estava com pressa e ser ladrão é um misto de pressa e velocidade repentina. A mulher sentiu a falta do homem, estranhava a falta de peso no peito onde outrora estava o peso de um coração e o peso de tudo que está dentro do coração. Agora, de vez em quando, as estrelas escolhem o buraco no peito da mulher como cama para o seu descanso, a mulher ficou para sempre sentada no muro, não sabe se gosta de ali estar, não sabe para onde gostaria de ir, e estando assim qualquer sítio é o seu sítio, e qualquer estrela é a sua estrela, e qualquer pessoa é a sua pessoa, e se não for pouco lhe importa. A missão da mulher agora é contar a história, às vezes a sua, outras vezes a de outra pessoa qualquer, sem se importar muito com isso, as veias continuam a sua função, procuram um coração. Não se cansam da procura.