9/09/2010

À noite a rua não pára.



Luz escura no final da rua. As pedras reflectem uma luz azul do pouco que brilha o céu, ao meio uma mulher de meia idade, calças de ganga azuis escuras, blusa branca sem adornos ou pechisbeques. De onde estava não conseguia distinguir os traços do rosto, via-lhe apenas cinco dedos em cada mão, dois braços, duas pernas, um tronco. Chorava, não que a tivesse visto chorar mas porque lhe ouvia o pranto. Numa mão uma fotografia, na outra o vazio da alma, no coração nada. Imaginei que lhe tivesse caído a desgraça nos ombros, que chorava a morte de familiar ou amigo, ou talvez os dois num só o que tornaria a perda mais dolorosa ainda, imaginei que seria o filho que ela procurava nas ruas, como se tivesse a esperança de uma saída tardia e uma qualquer rebeldia prematura. Era noite, a lua brilhava, a mulher chorava. Não estive muito tempo a olhar a mulher, mas olhei o tempo suficiente para a ver juntar as mãos e rezar, olhou o céu, falou baixinho murmúrios que não ouvi e que ainda assim imaginei serem sinto a tua falta. Quando saí à rua, pisando o molhado azul das pedras dirigi-me à mulher, estive algum tempo a contemplar-lhe as feições, estendi-lhe a mão como que a dizer confia em mim, tudo está bem ou vai ficar bem. A mulher não me olhou e durante a noite toda não me deu a mão.

1 Comentários:

Isa GT disse...

Que nada pare, para não se ficar encravado numa tristeza qualquer, sabemos que até ela... há-de passar ;)

Bjos

 
 
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