O corpo não era enrugado, nem a pele pálida. Pedro tinha cem anos no coração e nas memórias, o corpo não acompanhara esse envelhecer repentino que acontecera anos atrás em espaço de minutos. Ontem encontrei-o a falar de amores, a usar um plural que não existe nem sequer no singular. Pedro vivia sozinho algures na baixa, pouco esperava da vida nesse culminar da sua velhice. Não tinha ninguém. A loucura de uma vida passada na companhia de si próprio começava a dar de si, incendiava papéis na rua em forma de coração. Não era feliz embora o tenha sido no passado que quando olhado parecia segundos e não tinham o tamanho do buraco que agora lhe estava alojado no lado esquerdo do peito. Não esperava mais nada. Aguardava a morte que lhe tardava em chegar para acabar com o sofrimento, mas, sabia ele, que o sofrimento era o estágio de momentos felizes, lera isso num qualquer romance de segunda categoria. Nunca desejara tanto que algo fosse verdade. Há muito que deixara de acreditar e não me parece que tenha começado a acreditar (hoje).
Fotografia - autor desconhecido
2 Comentários:
Olá, Edgar.
Mas o corpo pode também acompanhar esse envelhecer repentino, não na sua forma, mas nos gestos.
Abraço.
Olá Pedro,
verdade aquilo que dizes e nunca me tinha apercebido desse facto.
Bom fim-de-semana,
Abraço,
Edgar Semedo
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