12/06/2010

Paragem.




A mulher esperava o autocarro com uma inquietude apenas comparável com si mesma. A roupa toda negra, uns óculos na cara para ver o mundo adulterado. O autocarro teimava em chegar, assim como tudo aquilo que a mulher desejava. O filho em casa, doente para uns, para outros bebia do próprio veneno. Para a mulher era apenas o filho, sem mal dentro dele, fora dele muitas vezes. O amor torna-nos cegos e a mulher era cega, não por usar óculos, não por ver pouco, mas por amar demais e perdoar mais ainda. A mulher tinha a idade de já não ter idade, a idade em que o tempo passa demasiado lento ao nosso lado. A roupa toda negra, assim como a pele. Só o coração de vermelho vivo, o coração é sempre a última coisa a ficar negra. O filho esperneava em casa, deitado numa cama ensopada no suor e no travo amargo de boca seca. A mulher sabia-o, por isso maldizia a demora do autocarro. O coração batia forte, batia de amor e de medo. Amar tem sempre um quanto de medo à mistura.

1 Comentários:

Isa GT disse...

É engraçado... só descobri o verdadeiro significado da palavra Amor aos 43 anos... quando fui avó.
Amor sem medo, incondicional e que só acabará, contra vontade, no dia... do meu último suspiro :)

Bjos

 
 
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