1/20/2011

A poça de sangue.



Seis da tarde. Ela deambulava pela biblioteca como se fosse um fantasma. Tocava nos livros com a ponta dos dedos, descobria os segredos escondidos com a timidez de quem descobre os seus próprios segredos, os mundos que existem dentro do mundo sem que se dê conta. Passado minutos, parou. Colocou-se na parte mais alta do edifício, a parte onde conseguia olhar a biblioteca e onde esta parecia um mar revolto de livros e páginas, onde as ondas das páginas tinham o som mudo do brilho das estrelas. Abriu o livro que carregava nas mãos, leu uma ou duas frases, não mais que isso. Duas ou três frases que sabia de cor, frases que conseguia ler de olhos fechados, frases que conseguia ouvir mesmo quando não falava, mesmo quando não ouvia falar. Depois, tirou da mala um objecto metálico, frio, brilhante. Introduziu-o na boca e fechou os olhos, disse uma ou duas palavras que ficaram esquecidas no som oco da pólvora seca. Depois era só uma poça de sangue, a mulher e o livro. Nunca se descobriram as frases que lera.

4 Comentários:

100 remos disse...

Tão importantes seriam as frases lidas, como aquelas que ela não leu.

Edgar Semedo disse...

Olá 100 remos,

bem verdade. Talvez lhe tivessem salvo a vida; mas nós, humanos, achamos sempre que o que é mais visível para nós constitui a única verdade palpável.

Bjo

100 remos disse...

True.

"O essencial é invisível aos olhos"

Nem preciso dizer de onde é, pois não?

Edgar Semedo disse...

Acho que precisava de ouvir isso, assim como quem leva uma chapada.

Obrigado.

 
 
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