Em frente ao espelho. O meu cabelo, os meus braços, a minha boca. Tudo como sempre soube que era. O cabelo negro, uns olhos profundos que parecem sempre olhar para trás. Uma boca muda de silêncios que doem e me incomodam a alma. Em frente ao espelho todo o meu corpo nu encerrado entre quatro paredes pintadas de branco; no ar o cheiro a jasmim e a hortelã a lembrar-me os campos que se avistavam nos poemas esquecidos nos livros do sótão. A calma do dia e depois tu. Tu a vires e eu a ver-te a vir pelo espelho. No espelho eu e tu, como se a casa encolhesse e o cheiro do jasmim e hortelã entrasse nos teus poros e tudo ficasse reduzido à imagem do teu corpo encostado ao meu, braço com braço, peito com costas, cabeça no pescoço, e o tempo parado. Foi nesse tempo parado que agarraste na lâmina e me fizeste a barba olhando-me pelo espelho. Foi um tempo demorado no som do metal a roçar-me a pele, da confiança depositada nas tuas mãos grandes onde ponho o meu coração todos os dias. Depois puseste-me perfume numa mão e fechaste-a, depois deste-me a tua mão na mão que me sobrava. Eu comecei a recitar de cor um poema que me lembrava e tu disseste
eu não gosto de poemas. Mas não pares, eu gosto do som brilhante da tua voz
e depois baixinho, no meu ouvido, bem dentro do meu ouvido, sussurraste
fode-me e ama-me, tudo ao mesmo tempo.
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