1/12/2010

Rezar



Todos os dias de manhã o homem olhava a roupa religiosamente dobrada por cima da cadeira. Hoje, camisa branca, tecido dos bons, exalava ainda os aromas fortes daquela tarde de amor em Marrocos, calças de algodão pretas, os homens sempre ficaram bem em calças de algodão pretas, tinha-lhe repetido vezes e vezes sem conta a sua mãe. O dia era de chuva, igual a tantos outros dias de Inverno, as vizinhas recolhiam-se nas suas casas e o frenesim matinal de conversas maldosas parecia ter ficado fechado entre o céu e as nuvens . O homem agarrou o guarda-chuva, olhou o espelho, sorriu e saiu de casa. A rua era larga, as casas longos segredos de granito, o homem caminhava a passos largos. Sempre adorou caminhar por aquela cidade que já era sua, corriam-lhe as ruas nas veias, as casas que conhecia de cor eram quase poros da sua pele. Entre olás e bons-dias, entrou na igreja. Deus já o esperava, trataram-se por tu e as conversas sobre as novas aventuras e a penitência dos pecados foram surgindo a uma velocidade vertiginosa, afinal tinha conversado sobre os outros com as vizinhas. Ofendeu a Deus, ofendendo os outros. O Deus que era dele e de tantos outros perdoou-lhe, o homem sentiu-se bem, Deus era um homem bom. Deus sabia, também, que aquele homem tinha coração puro. O homem levanta-se do chão e só agora repara na dor que tinha nos joelhos, mas a alegria de ser um ser sem pecado compensava aquele ritual. Pareceu-lhe até que conseguia ver o sol entre as nuvens, pensou nas vizinhas e sorriu. Foi então que abraçou de novo as ruas olhando tudo como se fosse a primeira vez, sentia-se limpo, sabia que errar é humano e que amar, como Deus lhe ordenou que amasse, era a escolha certa a fazer. Tinha chegado ao destino, entrou no café, procurou então entre a multidão de conhecidos e desconhecidos e encontrou quem queria, sorriu mais ainda. Senta-se então perto da silhueta da mesa quinze do café que sempre foi deles, do homem e do outro homem que agora pousa a chávena. Beijam-se, Deus quer que os homens se amem pensou. Sorriu, afinal seguia religiosamente toda a doutrina do senhor seu Deus.

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