4/26/2010

Não nasceu o dia depois da longa noite salgada.



O cheiro da maresia abraçou-lhe o olhar naquela manhã escondida de ainda não ser dia. Caminhava sozinho, não era hábito mas o sono esta noite recusou-se a chegar. Na praia caminhava pé ante pé, como se receasse acordar o dia. Sentia dentro do seu corpo toda a enormidade de um coração que batia de vida ao mesmo tempo que bombeava todo o seu sangue. Era nisso que pensava, no sangue, no sangue que lhe corria nas veias, nas artérias, nos capilares todos. Sangue vermelho vivo, arterial, depois mais escuro, venoso, mas ainda assim salgado como a maresia que lhe ia molhando o cabelo, que ia dando à pele um gosto salgado. Pensava no sangue e das pessoas que faziam parte dele, das pessoas que lhe corriam no sangue e paravam no seu coração, que iam ocupando os espaços vazios do seu punho cerrado no lado esquerdo do corpo. Não sabe se chorou, não era importante, sentia saudade dos mortos que ainda lhe corriam no sangue, que haveriam sempre de lhe correr no sangue até ao dia em que o seu sangue deixaria de correr. Sentou-se na areia molhada e fria da praia onde há instantes estava o mar. Não nasceu o dia. Para ele nunca mais nasceria o dia, por muito que esperasse, por muito que o sono não chegasse. Sofrer é uma longa noite salgada, gritou.

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