4/30/2010

A viagem



Da viagem recorda apenas a velocidade vertiginosa das árvores e a calma de um céu azul, não recorda o sol, o ar era húmido e o vento fresco ia entrando-lhe pela janela do carro. Desde pequena que nas viagens de carro pouco falava, manteve-se a tradição, deu consigo a pensar nas viagens de carro que fizera com os pais, depois a solidão procurada da adolescência, bem diferente da solidão que a habitava agora. A solidão, tal como nós, vai amadurecendo com o tempo, vai ganhando contornos mais vincados e as suas cores vão escurecendo, depois por osmose escurece também a vida daquele que a transporta, de nós todos que a transportamos. Da chegada à vila recorda um velho sentado, um velho que não esperava ninguém sentado num banco no lugar de carros de praça, as rugas eram todas as suas feições, não sabe se o velho reparou na sua chegada, mas se reparou fez por o não fazer notar. Ela estava, como sempre esteve, calada, como se a viagem tivesse continuado e as árvores continuassem a passar a velocidades mil. Dirigiu-se ao velho, perguntou-lhe se era ali o hotel, ele não lhe respondeu de imediato, levantou a cabeça e olhou-a nos olhos, depois disse-lhe não existir qualquer hotel que valha a pena, que a solidão da vida se sente menos quando estamos em casa, mas que nunca estamos em casa, que chegamos a um ponto na vida em que já não temos casa, depois só resta esperar. Ela sentou-se ao lado dele. Não falaram a tarde toda.




Fotografia - fatima condeço

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