Do alto da sua janela ele via a terra toda, via a terra toda mesmo que estivesse sentado no carmim do sofá. A sala era decorada a madeira e ao cheiro da morte que foi ganhando nas suas habituais caçadas ao domingo de manhã. Mais de cinquenta anos volvidos na vida, muitos dias, mais minutos, mais amarguras e amores. Do alto da janela via as vizinhas e o vizinho, da janela ouvia a sonora melodia do amola tesouras, de mês a mês. Havia sempre algo para afiar, ele tinha as tesouras, mais tarde as facas, as vizinhas tinham a língua. Todos os meses dirigia-se até à figura mágica do som do amola tesouras, conversavam sobre a caça, afiavam as facas, sob o olhar atento das vizinhas. Só falava de mês a mês, à excepção de Agosto, mês da visita do filho, primeiro quinze dias, depois sete, depois um fim de semana; o assunto foi se esgotando assim, até ficar apenas
como estás pai?
e a resposta parca para um ano inteiro de vida,
vai se andando.
Foi do alto da janela que as vizinhas o olharam, o olharam morto na poltrona, morto com uma faca no peito, sentado no carmim do sofá. Era Setembro.
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