6/02/2010

Cartas



Estou novamente sentado no banco da estação onde sempre te esperei na vinda do comboio, lembro-me de sorrir e tremer ao imaginar as tuas pernas a descer a plataforma e depois com um gesto natural rires e olhares-me como se me entregasses a alma e depois correres e abraçares-me e dizeres que, sem saber como, sentias a minha falta.
As nossas conversas duraram anos, não sei se recordas, as palavras no papel branco, nos postais das férias de verão, no postal da tua ida a Paris, o Paris onde te jurei levar a dançar. Passei a adolescência à espera do som da campainha da bicicleta do homem dos correios, se o ouvia sabia que as tuas palavras estavam bem confortadas dentro da mala à tiracolo. Foste-me dando as palavras e com elas, imaginava eu, todas as verdades de ti, um dia disseste-me que as palavras também mentem. Não te respondi, em vez disso mandei-te dentro da carta uns restos de alecrim que sobraram da capela que a minha avó fez e colocou à janela na noite de São João, isso para mim era a verdade, o alecrim da minha avó era a verdade, tal qual as palavras eram a verdade, tal qual tu eras o mundo.
Nunca passava muito tempo desocupado, se era semana da tua resposta andava ansioso, se fosse Verão pescava com o Marco e falava-lhe da tua letra, da beleza capitular da tua caligrafia, ria-me ao contar-lhe que usavas a expressão pois como os brincos do teu discurso; se era a minha semana, a semana em que devia dar vazão às minhas palavras, o tempo passava mais rápido ainda. Na segunda e terça-feira rasgava o meu peito e mutilava o meu coração, na quarta e quinta-feira escrevia-te o acessório da riqueza dos dias, na sexta-feira era o dia todo para te escrever bem vincado com letra cor de sangue a expressão espero por ti, nunca te escrevi amo-te, mas se lesses bem as cartas verias que isso está em todas elas à espera da tua resposta. Houve um dia em que disseste que vinhas até à terra, tinha eu na altura vinte anos, vinte anos e muitos sonhos, sonhos que se resumiam à figura amarelada da fotografia que me enviaste e que guardo no bolso de todas as camisas que visto, para te sentir perto. A data da tua vinda seria a dois de dezembro, o lugar do encontro era a plataforma do comboio, palco de metade da minha vida, dezoito horas e trinta minutos. Esperei, chovia, o frio era cortante, não vieste. Todos os anos espero por ti nesse dia, a minha avó nunca mais me fez uma capela, tu não me escreveste mais e eu não tenho mais nada para responder, continuo a escrever espero por ti nas linhas todas dos cadernos todos que vou comprando para treinar a caligrafia, ainda acredito que as palavras não mentem e desejo com muita força que um dia me escrevas e digas somente que, sem saber como, sentes a minha falta.
espero por ti. espero por ti. espero por ti. espero por ti. espero por ti. espero por ti. espero por ti. espero por ti. espero por ti. espero por ti. espero por ti. espero por ti. espero por ti. espero por ti. espero por ti.

2 de dezembro de 2008

1 Comentários:

Isa GT disse...

Acho que, depois de tanto esperar, é melhor desistir :)

 
 
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