7/03/2010

Andei a lavar a casa com lixívia




Andei a lavar a casa com lixívia, lavei as paredes e o chão, mas não cheguei ao tecto porque os tectos sempre tiveram a forma de céus e as nuvens sempre foram intocáveis. Nas paredes estava escrito o teu nome e mais milhares de frases e palavras em tom de parágrafos onde escreveste tudo o que pensavas. Apaguei todas as frases, passei o pano branco com lixívia palavra a palavra. Fui lendo tudo, não sei se depois foi das palavras ou da lixívia que me comecei a sentir mal e toda a casa rodava à minha volta e tu ias rodando com a casa a repetir as palavras todas, as frases completas e depois gritavam por trás de ti que tudo ficava gravado, mesmo estando as paredes brancas, mesmo passando a lixívia, mesmo ficando o cheiro da lixívia entranhado nas minhas unhas, nas minhas mãos. Pés. Foi aí que vomitei. O vómito aos meus pés, o meu coração a sair pela boca, o cheiro da lixívia a evaporar-se pelos meus poros, e no meu coração saído da boca estavam mais palavras tuas, palavras escritas à volta, por cima da carne, no contorno das veias e artérias, no espaço oco dos ventrículos e aurículas. Descobri, por fim, que, mais que a minha casa, é o meu corpo que é o teu refúgio, o teu livro inacabado, o diário das horas mortas. Não há lixívia que te mate; não há lixívia que me mate; se não morrermos os dois.

Lixívia - (s.f) Solução alcalina, geralmente de carbonato de sódio ou de potássio, que se emprega para branquear.



Fotografia - Prodigy

2 Comentários:

Nós disse...

Este post mexeu comigo...encheu-me os olhos de água!!!:)

Edgar Semedo disse...

Espero, Nós, que tenhas encontrado hoje outras coisas de tal forma grandes que tenham mexido contigo e feito sorrir.

Tudo de bom,

E.

 
 
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