10/08/2010

A vida inteira



Tudo o que se via da rua era uma mulher à janela. Vestia uma camisola de lã castanha, calças de ganga de um azul gasto. Na mão o vazio de todas as horas, dedos brancos, esguios, compridos. Os dedos eram como nuvens brancas que salpicavam o céu azul. Na ponta dos dedos tinha tinta negra das páginas, tinta negra das palavras todas que a mulher sabia de cor e recitava como um oráculo. Olhava o mundo, tão alto quanto lhe era permitido olhar, os seus olhos eram grandes como estrelas, iluminavam os caminhos de muitos, desviavam o mundo de outros tantos, mas não deixavam de ser, ainda assim, os olhos dela. São esses os olhos que recordo sempre que fecho os meus, os olhos cor da saudade dos dias, dos romances inventados em notas musicais, os olhos da mulher à janela são metade do meu coração, porque os olhos dela são ela inteira. Porque ela é do tamanho do que vê e é da forma do que vê, os olhos são lhe o centro da alma, por isso existem poucos que a olham nos olhos, como eu. E mesmo quando não olho, o meu coração sabe que todas as escolhas são reflectidas e todas as acções transpiram uma poesia capaz de perfumar uma rua inteira. Porque se ela não fosse uma mulher, era a vida toda.


Para a O.

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