A falta de ti.

Na noite a chuva abundava, a estrada estava a escassos metros do carro estacionado, lá dentro o homem preparava-se para encontrar na chuva o conforto que tinha decidido procurar naquela que era uma noite escura. A porta aberta (um pé de fora, os dois, o corpo). A chuva caía incessantemente em pequenas gotas que se iam desfazendo antes de tocar o chão, o homem foi até ao café (são cigarros e um café) e depois saiu. Ficou à chuva, afinal era essa a sua casa, na mão um copo de café que lhe aquecia o corpo, no ar o aroma do café misturava-se com o ar e depois com a chuva e depois tudo era quase perfeito para o homem. Mexeu-se, a mão entrou no bolso das calças e tirou um maço amarrotado de cigarros, abriu-o e segundos depois pousou o cigarro nos lábios. Voltou a mexer-se, uma e outra vez, primeiro num bolso, depois no outro (onde estás caralho?), depois no bolso que tinha mexido na primeira vez e por último no bolso da segunda. 

Não tenho isqueiro.

A chuva continuava a cair, no ar o aroma a café tinha-se tornado mais intenso, foi nesse instante que o homem percebeu que sem isqueiro não tinha vícios e que sem ti tinha perdido os hábitos (e uma pessoa sem hábitos ou vícios deixa de precisar de corpo, e sem corpo não lhe apetece ser alma).

Fotografia - James Whitlow Delano