5/20/2011

A lista de compras.



Ele tinha vivido nesse impasse de amar, ora demais, ora na medida certa. Agora, demorava-se a olhar o espelho tentando descobrir as partes mudas do corpo, em outros dias tentava perceber em que parte dos seus dedos terminava o seu corpo e começava a transparência do corpo dela.

três maçãs para dois dias
água com bolhas que aquece as palavras nuas na garganta
sal que queima a pele e se esconde por dentro do sangue
canela para lembrar os amores antigos
erva doce para povoar os bolos e segredos

lia escrito numa caligrafia imperfeita num papel desbotado. Uma lista de compras que ele lhe roubou e que lia como quem lê um poema, ou ouve uma música, ou relê passagens de um livro encontrado em baús do sótão escondido do mundo por uma espessa camada de pó. Ela não sabia do amor dele. Esses são os amores mais importantes, ouvira dizer de uma estrela num filme que quase ninguém viu. Masturbava-se a pensar nos gestos que a mulher fazia a entrar no metro todos os dias espalhando o aroma das maçãs que o homem agora tinha escrito no papel. Era amor, porque o homem via no seu corpo reflectido em espelho no espelho pedaços do corpo da mulher. Cheirava no aroma fresco do mar água com bolhas que lhe aquecem as palavras nuas na garganta, as palavras que são

linda, linda, linda, o meu amor antigo, o meu segredo de erva doce, o cheiro a bolos da eternidade que já foi, o sangue feito mar nas minhas veias, linda, linda, linda que me queimas e me acabas e me dominas e que transformas o meu corpo no teu corpo nu nesse vislumbre de imagens que não sou eu, mas somos nós.

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