5/31/2009

Bainhas Abertas



Todos os verões de todos os anos, nos poiais, todos os Invernos, na varanda de onde se avista a tia Catarina a olhar os gatos no muro, o muro sempre teve a altura de quando tinha cinco anos, construído por gigantes penso, a minha avó se sentava e se senta. Lembro-me, lembro-me bem do calor do sol, do calor do coração, do calor da vida gasta, de ver as rugas da minha avó, muito mais velha que a idade que lhe pesa nos ombros, as rugas são o que sabemos e que nos pesa no peito, minha culpa, minha tão grande culpa. A minha culpa que já me fez velho de tantas coisas vistas, sentado no poial onde se senta minha avó. Filho vê aqui esse ponto, e eu vi-a com amor, a tocar no linho, o linho das bainhas abertas, linho bom não é como aquele pechisbeque que vendem por aí, ai esse rapaz, diz-me a minha avó, tem mais gosto que as cachopas. Eu a tocar o linho, a sentir-lhe a história, a sentir-te a história avó, a dizer que gosto mais do outro ponto, aquele do tabuleiro que deu à prima no Natal e que ela guarda no móvel escuro onde as bainhas se encerram e fecham como se o mundo nunca existisse para elas, como se a avó nunca lhes tivesse passado a agulha e eu nunca lhe tivesse tocado o linho e dito que gostava e a avó tivesse dito ai as cachopas. Avó, juro que direi um dia, cose-me bainhas nos lábios e tu não vais perceber, ou vais fingir que não percebes, e vais chamar-me tolo ou vais falar-me da tia ou da titia, que é tia também mas mais que tia, eu vou ouvir e esforçar por não dizer outra vez cose-me bainhas nos lábios avó. Quando tinha sete anos lembro-me de ter visto na sobrecama os bilros, toquei-os, admirei aquilo que não sabia e inventei-lhe funções, a minha maior pena avó é não te ter visto a fazer renda de bilros e essas cachopas que temos não o querem aprender. Avó, mostra-me outra vez esse ponto, oferece-me o pano, antes de dizeres que o enxoval é para as cachopas, eu sorrio, amo-te avó e tu a dizeres que não é pechisbeque e eu não posso concordar mais.

1 Comentários:

Anónimo disse...

Espero que a avó nunca cosa bainhas nos lábios "desse" neto. Mas se um dia quiser, que as deixe abertas!
Helena

 
 
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