4/20/2011

Trovoada



As paredes do teu quarto eram altas, feitas de pedra caiadas. O branco tornava-se da cor do mundo quando a luz dos trovões entrava pelos vidros grandes das janelas que davam para o mar. A cama estava a meio do quarto guarnecida de lençóis brancos e colchas de linho minuciosamente colocadas para matar o frio. Estava sempre frio. Lembro-me que tinhas uma secretária de madeira escura e mundos por cima dela. Uma caneta com que assinavas o teu nome de forma rebuscada, dois ou três romances e um livro que tinha sempre um poema rasgado que depois ias perdendo, ou plantando, já não sei, pelos chãos que pisavas. Tinhas, também, um lápis de carvão amarelo, impecavelmente afiado, e era com ele que riscavas as ideias que depois de lidas em voz alta começavam a fazer parte do brilho dos teus olhos. A secretária tinha três gavetas onde guardavas as fotografias de forma aleatória, e ao canto, lembro-me tão bem, tinhas um bloco de notas onde eu um dia te escrevi um poema. Um poema em forma de quadrado, quatro palavras escolhidas a dedo. Demorei uma noite inteira. Sentada no chão a sentir o cheiro da cal misturada com a brisa que entrava pelas frestas que o tempo foi escavando nas janelas, como se trouxesse os milagres das coisas para dentro da casa onde dormias, onde sonhavas, onde eu te escrevi um poema que era amanhã só mar virá, só assim, como um quadrado podia ser lido a partir de qualquer lado, a partir de qualquer palavra e tu havias de encontrar significados a partir de qualquer uma delas. Nunca te perguntei. Tu nunca disseste. Mas o poema continuou lá, junto das outras coisas todas que eram as tuas coisas; as coisas mortas que as pessoas sempre me disseram que não podiam falar, mas é curioso, todos os segredos que sei de ti contaram-me essas coisas mortas organizadas na luz branca que era o teu quarto onde

                   amanhã
                   só    mar
                   virá

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