6/08/2011

Nada é meu.



troveja. há muito que deixei de pensar se isso é bom agoiro, ou mau. já não penso nessas coisas. troveja e tudo fica brilhante metálico e branco. os lençóis ameaçam engolir-me por inteiro e as paredes caiadas por fora choram a frieza da noite. é à noite que tudo acontece, sempre, toda a vida acontece na noite ainda que o sol brilhe ou chova amiúde ou torrencialmente. estou deitado nessa meia luz da luz dos trovões, sem eles era só eu e a penumbra. o meu corpo não me obedece, questiono-me se será meu. mando os meus pés cantarem e eles não cantam, ordeno às minhas mãos que se beijem e elas permanecem quietas, os meus olhos inertes da cor dos vendavais e dos cheiros das flores mortas dos funerais não captam a essência do odor da terra e da chuva que agora envolve o mundo, o meu coração não pára de bater aos meus desígnios. todo o meu corpo me desobedece. os meus pés deviam cantar às minhas ordens; ao som do meu pensamento que grita cantem eles deviam cantar e depois calar-se ao som do meu pensamento que havia de dizer calem-se em um qualquer momento. nada me pertence, nem o corpo, nem as palavras que digo; só os pensamentos e os sonhos. os sonhos são os pensamentos que restam, aquilo que não tenho a capacidade primária de pensar. os sonhos são o que fica do vazio imenso que é pensar. sonhar é o que resta depois de desistir de mim. as palavras são como os pés, as mãos, os olhos, a pele, as palavras não são minhas e não querem dizer o que eu quero que digam, por isso ao dizer fode-me elas dizem ama-me e ao dizer ama-me elas dizem fode-me e se digo estou bem elas possuem porte de eu não estar e se eu digo eu não penso elas denunciam-me e dizem tu pensas demais. talvez a ti te aconteça o mesmo, não teres corpo, nem palavras, apenas pensamento e sonho. por isso, não acredito no que dizes ou no que o teu corpo faz de ti, como tu não deves acreditar no que digo ou no que o meu corpo faz de mim. Porque nada é meu, porque nada é teu, menos os sonhos que nascem da morte dos nossos pensamentos que também são nossos, meus e teus, separados assim, os meus pensamentos, os teus pensamentos, os meus sonhos, os teus sonhos.

3 Comentários:

Olga disse...

Lindo! :) e em minúsculas a revelar a grandeza :)

Gisela disse...

Extraordinário! És o senhor das palavras. Palavras tuas...amei!

Edgar Semedo disse...

beijos às duas e obrigado.

:)

Edgar Semedo

 
 
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